O Papilomavírus humano é um DNA vírus epiteliotrófico cujo capsídeo de 55 nm encerra genoma circular contendo cerca de 8000 pares de bases. Originalmente esses vírus eram classificados em conjunto com os poliomavírus formando um grupo taxonômico único chamado Papovaviridae.
Na atualidade, entretanto, diferenças no tamanho dos vírions (50 nm para os poliomavírus) e nos padrões de replicação justificaram a sua separação em dois grupos distintos. O sistema atual de tipagem dos HPV’s é baseado em eventuais diferenças nas regiões de E6/E7 e L1 do genoma viral.
Um novo tipo de HPV deve, por definição, apresentar homologia menor que 90% com outros tipos virais em relação a essas regiões. Um sub-tipo viral apresenta, por sua vez, de 90 a 98% de similaridade para essas regiões, considerando-se variante viral aquele vírus que possui homologia maior que 98% (van Ranst et al; 1993).
No presente capítulo almeja-se fornecer ao leitor as bases moleculares, em especial aquelas onde o HPV desempenha importante papel, as quais acredita-se estejam envolvidas no surgimento da neoplasia invasora do colo uterino.
Da mesma forma fornecemos ao leitor alguns dos aspectos mais atuais da aplicação dos testes moleculares na detecção do HPV além de aspectos práticos como a coleta do material biológico e os locais para sua obtenção.
Finalizando a introdução salientamos como um dos aspectos mais importantes e indispensáveis desse capítulo a necessidade da realização concomitante de exame citológico cérvico-vaginal (Papanicolaou) bem como colposcopia criteriosa dos casos suspeitos. O que tem valor, nos dias atuais, é a análise em conjunto de todos os métodos.
Os genes que compôem o genoma viral dos HPV’s podem ser divididos em dois grupos funcionais: Late “L” (genes tardios) e Early “E” (genes precoces). Vale ressaltar que na região de transição entre os genes tardios e precoces existe uma região controladora da expressão genética e da replicação do DNA não mostrada nessa figura.
O gene E1
A região codificadora do gene E1 leva à produção de uma fosfoproteína de 68kDa com atividade helicásica e ATPásica intrínseca além de possuir alta afinidade pelo DNA. A proteína E1, em conjunto com a proteína E2, formam o complexo E1-E2 sendo esse de extrema importância nos mecanismos de replicação viral.
O gene E2
A proteína codificada pelo gene E2, além de controlar a transcrição de outros genes como E6 e E7, parece possuir atividade estimuladora da função da proteína supressora do crescimento tumoral p53. De fato, alguns autores demonstraram que a expressão de E2 pode resultar em apoptose (Desaites et al; 1997).
O gene E3
Não existe função estabelecida para esse gene até o momento sendo que os Papilomavírus humanos não possuem esse gene.
O gene E4
A função da proteína codificada pelo gene E4 ainda está para ser melhor esclarecida acreditando-se que a sua produção esteja ligada à diferenciação terminal dos queratinócitos. A interação entre a proteína E4 e as citoqueratinas resulta para alguns na formação da coilocitose (Roberts et al; 1997).
O gene E5
Esse gene não aparece em todos os tipos de HPV, além de poder estar truncado em alguns outros. À proteína E5 tem-se atribuído papel relacionado a transformação induzida por HPV’s tipo 1, 6 e 16 (Crusius et al; 1997). Com relação às taxas de proliferação celular, a proteína codificada pelo gene E5 parece ainda operar em conjunto com o Fator de Crescimento Epidermóide (EGF) no sentido de favorecer a proliferação celular.
O gene E6
A proteína E6 desempenha importante papel nos processos que culminam com tranformação celular neoplásica, em especial pelo fato dessa proteína interagir de maneira a acelerar os mecanismos de degradação fisiológica da proteína supressora do crescimento tumoral p53, fenômeno esse, que interfere profundamente nos mecanismos de apoptose e reparo do DNA.
A função plena da proteína p53 favorece a atividade de outra proteína chamada p21 a qual, por sua vez, diminui a atuação das ciclinas dependentes de quinase levando a parada do ciclo celular.
O antígeno nuclear de proliferação celular (PCNA) é um co-fator importante na interação entre a fita de DNA e a enzima DNA polimerase delta durante a divisão celular. A proteína p21 estimulada por p53 condiciona inibição do PCNA favorecendo também a parada do ciclo celular.
O gene denominado GADD 45 está envolvido nos mecanismos de reparo do DNA e, ao contrário dos outros dois genes, tem sua atividade estimulada pela proteína p21.
Dessa forma, podemos entender agora que, se a p53 estiver inoperante, um eventual dano genômico que condicione, por exemplo, a ativação de um oncogene será transmitida para células-filhas garantindo um clone de células com vantagens de crescimento em relação às células normais.
Em outras palavras, podemos dizer que a célula infectada por HPV apresenta-se em um estado de instabilidade genômica. Constatou-se também, que E6 interage com as proteínas MCM (minichromossome manteinance) as quais, acredita-se exercerem importante papel regulador nos processos de replicação do DNA.
Outras funções de E6 incluem: a) ativação da enzima telomerase favorecendo mecanismos de imortalização celular, b) transativação da sequência promotora do oncogene c-myc, c) induz aumento na expressão do Receptor do Fator de Crescimento Epidermal (EGFR) (Sonnex, 1998).
Ainda sobre a p53 vale lembrar que para alguns autores essa proteína tem atividade estimuladora sobre a trombospondina. Essa proteína, ao que parece, exerce atividade moduladora da angiogênese deflagrando o processo de neoformação vascular à medida que a p53 tem suas funções comprometidas.
De fato, em recente trabalho onde estudou-se angiogênese nas lesões precursoras do carcinoma do colo uterino, Calux et al (1998) encontraram número maior de capilares neoformados à medida em que essas lesões evoluem para o carcinoma escamoso.
O gene E7
Da mesma forma que E6, a proteína codificada pelo gene E7 também exerce papel importante nos mecanismos de transformação celular, não através de p53, mas por interagir com a proteína supressora de tumores pRb (retinoblastoma) e aumentar sua degradação através da via ubiquitina-proteassomo, a mesma via envolvida na degradação de p53.
Outros pontos de interação com E7 incluem a proteína p21 (Fig. 2), p27, ciclina A além de membros da família de fatores de transcrição AP-1 (Sonnex, 1998).
Os genes L1 e L2
Os dois genes tardios (Late) L1 e L2 codificam para as duas proteínas do capsídeo viral.
O genoma dos HPV’s, por razões ainda não esclarecidas, pode integrar-se ao genoma humano sendo essa etapa fundamental para a transformação neoplásica.
Durante o processo de integração parece haver preferência por áreas do genoma humano próximas a oncogenes. Quanto ao genoma viral, esse quase que invariavelmente é rompido nas regiões E1/E2 as quais, entre outras coisas, controlam a transcrição dos genes E6 e E7.
Nessa condição, E6 e E7 encontrar-se-ão livres de controle transcritivo e, dessa forma, poderão efetivamente interferir nos mecanismos de controle do ciclo celular, como discutido acima.
Os tipos virais que com maior frequência se integram ao genoma humano são os tipos 16 e 18, entretanto, a integração viral também é observada nas infecções virais dos tipos 31, 33 e 35. Esses cinco tipos virais são os mais encontrados nas lesões intraepiteliais precursoras e no próprio carcinoma escamoso do colo uterino.
É importante ressaltar nesse momento, que as infecções por HPV isoladamente não são capazes, por si só, de induzir progressão para neoplasia invasora.
De fato, acredita-se hoje que menos de 2% das lesões induzidas por esse vírus evoluirão para invasão o que demonstra, indubitavelmente, a necessidade de outros eventos moleculares para o surgimento do fenótipo invasivo.
Recente estudo, utilizando-se de técnicas que fornecem o tipo viral específico (PCR), com casuística brasileira demonstrou que em 20% dos casos de infecção pelo HPV existe a presença de mais de um tipo viral causando a infecção (Rousseau et al 2001).
Sabe-se também que em 40% dos casos, trata-se de uma infecção por um vírus de baixo risco e que um dos maiores determinantes de risco para o desenvolvimento do câncer cervical é a persistência de um mesmo vírus de alto risco durante períodos prolongados (Schlecht et al 2001).